Na época da epidemia de Peste Negra na Itália (século XIV), a medicina era impotente, não existiam antibióticos ou exames de laboratório, e a única maneira de fugir da doença consistia em evitar contato com pessoas e objetos considerados infectados.
Cordões de isolamento armados foram posicionados em várias cidades-estado, e as autoridades impuseram multas e leis rígidas para separar os doentes. Em 1423, foi aberto o primeiro hospital permanente para a Peste Negra, na pequena ilha de Santa Maria de Nazaré, em Veneza. Em 1467, Gênova seguiu o exemplo. Em 1476, Marselha, na França, fez o mesmo.
Em todos estes casos, os “hospitais” eram mais “armazéns” de gente, ou “campos de concentração”, do que hospitais de fato. O período de 40 dias de isolamento foi estabelecido de maneira aleatória, talvez espelhando na teoria Pitagórica dos números ou os 40 dias de Jesus no deserto, mas ele certamente não foi determinado de maneira “científica”.
Na Inglaterra, as primeiras medidas de quarentena foram estabelecidas em 1663, também por receio de uma epidemia de Peste Negra.
Para controlar um surto de febre amarela, uma quarentena foi introduzida em Nova Iorque em 1688 e em Boston em 1691.
Na década de 1830, devido a um período de intenso comércio transcontinental, o Cólera atingiu a Europa e os EUA, aterrorizando a população. Não havia um tratamento específico para a doença e centros de “isolamento forçado” foram instalados em vários portos.
O tempo de quarentena (40 dias) era suficiente para exceder o período de incubação da Yersinia pestis – o agente causador da Peste Negra. Contudo, este período de tempo se mostrou ineficaz para evitar a disseminação da Febre Amarela ou do Cólera.
Apesar dos maus resultados sanitários, muitas autoridades se mostraram relutantes em abandonar a tradição da estratégia de quarentena, mesmo na presença de caos e desordem nas cidades onde a medida era adotada.
Foi apenas na virada do século XIX para o século XX, com a identificação dos agentes patogênicos envolvidos nas epidemias mais temíveis, que as estratégias de quarentena começaram a ser seriamente questionadas.
Entre 1918 e 1919, a pandemia de Influenza atingiu o mundo em 3 ondas consecutivas. Devido à I Guerra Mundial, os sistemas de vigilância em saúde na Europa e nos EUA estavam bagunçados demais para funcionar. Nos campos de batalha, os médicos isolavam os soldados com sintomas da doença, mas o Influenza se espalhou rapidamente, infectando pessoas em praticamente todos os países. Escolas, universidades, igrejas e teatros foram fechados, aglomerações foram proibidas, mas nada disso foi capaz de conter o avanço do vírus.
A segunda pandemia de Influenza no século XX ocorreu entre 1957 e 1958. O conhecimento sobre a doença havia progredido: o vírus havia sido identificado em 1933; vacinas e antibióticos já se encontravam disponíveis, e a OMS já operava uma boa rede de vigilância epidemiológica. As mesmas medidas de quarentena, isolamento e distanciamento social propostas na pandemia de 1918-1919 foram colocadas em prática, mas elas meramente retardaram a disseminação do Influenza em algumas poucas semanas.
Exatamente o mesmo cenário se repetiu na pandemia de Influenza de 1968-1969. E os mesmos resultados pífios, também: mais de 1 milhão de pessoas faleceram em decorrência da doença e a despeito das medidas de quarentena.
Em 2003, o surgimento da SARS a partir da província de Guangdong (China) se tornou uma preocupação mundial. Contudo, comparada ao Influenza, a SARS apresentava baixa infectividade e um período de incubação maior, dando um tempo suficiente para que as medidas de contenção funcionassem um pouco melhor.
As autoridades sanitárias passaram a isolar pessoas sintomáticas utilizando leis extremamente severas (em alguns países, inclusive com pena de morte) e, evidentemente, isso levou ao pânico e à discriminação, estigmatização e revolta em grandes segmentos da sociedade em vários países.
O gosto pela prática de Quarentenas em massa tem mais de 500 anos. Os resultados delas são quase sempre incertos e ineficientes, ocasionando custos imensos tanto em termos econômicos quanto em termos de psicologia social. Mesmo assim, insistimos nessa estratégia. Talvez seja algum tipo de Transtorno Obsessivo Compulsivo.
Talvez seja uma manifestação do medo da morte que nos assombra. Talvez seja uma expressão do ímpeto de tirania que existe na maioria das pessoas – especialmente aquelas em cargos de autoridade. Ou talvez seja uma mistura de tudo isso.
Qualquer que seja a explicação, Quarentenas em massa são uma medida tão antiga quanto majoritariamente ineficiente.
Em pleno século XXI, eu esperaria que já tivéssemos evoluído para além desse tipo histeria. É evidente que eu estava errado: se existem maldições assombrando nossa espécie, o apreço pela insanidade decerto é uma das mais longevas delas.