Parte 01
Esse final de semana fui assistir o filme tão falado por muitos, O Poço na Netflix. Achei que seria mais um besteirol e me surpreendi e muito com a narrativa. Um filme inteligente e que dá margem a muitas interpretações e se você ainda não viu pare de ler aqui mesmo pois teremos Spoiler é Obvio.
Você foi avisado.
Se sua curiosidade é maior e quer ver o que eu acredito que vi nesse filme continue a ler essas linhas, mas tenha a certeza que sua experiencia seria bem melhor se visse o filme antes de saber a minha visão sobre ele.
Volto a dizer para que veja antes de continuar de forma que eu não o induza a ver coisas no filme que eu possa ter visto.
Vamos lá?
O Poço
É um filme espanhol que mostra um local com vários andares que pode ser uma prisão ou um laboratório de experimento social.
Digo isso pois algumas pessoas escolheram estar lá, então não poderia ser uma prisão como alguns relatam. Mas essa é a minha experiência.
O sistema é simples:
Cada andar tem duas camas então recebe dois ocupantes. No centro, há um retângulo tanto no teto quanto no piso. Esse retângulo é o espaço necessário para que todo dia uma plataforma que também é uma mesa desça repleta de comidas.
As pessoas nos andares tem aproximadamente 1 minuto para comer o que puderem. Não podem guardar nada pra depois caso contrario o andar começa a aquecer até serem cozidos vivos ou a esfriar até serem congelados vivos.
A trama acontece em torno de dois personagens principais. Goreng e Trimagazi.
Goreng acorda em um andar com trimagazi um dia e começa a aprender como funciona a estrutura.
Goreng, pergunta a Trimagazi seu colega de quarto no que consiste o poço ao que ele responde.
É óbvio. Gira em torno de comer. Às vezes é bem fácil. Às vezes, bem difícil. Depende do seu nível. Por sorte o nível 48 é bom. –
Ou seja, as pessoas do andar zero comem bem e as outras vão comendo as sobras dessas até o ultimo andar que estimam em 200 mas que pode ser muito mais.
A dinâmica dos andares muda de tempos em tempos e este mês você pode estar em um andar bom e no outro mês em um que a comida não chega.
Fazem uma analogia com a nossa sociedade onde quem aparentemente tem condições come melhor e os demais comem o que sobra.
Trimagasi explica a Goreng como funciona o poço. E como ele deveria se comportar.
No Poço, há três tipos de pessoas: as de cima, as de baixo e as que caem
Goreng recebe a pela primeira vez a plataforma e vê Trimagasi comer restos de outras pessoas acima deles haja vista estarem no andar 48. Ele não aceita a sua condição e não come.
A negação da condição, de quando ela se apresenta.
No outro dia também não come mas vai devagar se acostumando com a ideia e assim a necessidade lhe bate a porta e ele acaba comendo. Alguma analogia com a vida cotidiana? Vamos aceitando coisas que normalmente torcemos o nariz mas que aos poucos vão se tornando normais e aceitáveis. Começamos a tomar como normal e ela é incorporada a nossa vida ao ponto de nem sabermos porque não gostávamos daquilo.
Mas aquilo incomoda Goreng e ele vê Trimagasi cuspir na comida dos que estão em baixo. Isso o deixa furioso. Alguma vez você se sentiu incomodado com alguma injustiça? Ele pergunta porque trimagazi faz aquilo e recebe como resposta que os de cima provavelmente também o fazem.
Goreng tenta argumentar e dizer que se todo mundo comece o suficiente teria comida pra todos. Trimagazi pergunta: Você é comunista? As pessoas em cima não gostam de comunistas. Até aqui parece que o filme vem com a bobajada da esquerda mas continue. Ele tem muita coisa.
Cada integrante pode escolher um objeto para entrar e Goreng escolhe um livro. Ele é um cara normal e o livro que ele escolhe é Don Quixote. Para mim, uma alusão a luta contra os moinhos de vento do sistema. Já Trimagazi escolheu uma faca. Um simbolo de seu consumismo no mundo externo que ele explica com muita propriedade.
Para mim fica claro os dois métodos usados no mundo para controle das pessoas. O conhecimento representado pelo livro e a violência representado pela faca. Pode chamar de controle ou forma de atuar no cenário da vida.
Eles desenvolve uma amizade básica e se Goreng não imagina que poderia mudar. Eles se divertem, Goreng lê para Trimagazi e tudo corre bem. Até me lembro de uma certa eleição onde pessoas pegaram carona com o Bolsonaro.
Gostei de você, Goreng. Não acho que dure muito aqui. Mas gostei de você. Tem um bom coração. – Sr. Trimagasi.
Um belo dia eles acordam em outro andar e Goreng se vê amarrado a cama. Trimagazi seu companheiro é agora seu algoz. Eles estão em um andar onde a comida não chega e Trimagazi pretende então comer Goreng. Esta vendo isso na politica nos dias atuais? Ele xplica que lá não há chance deles sobreviverem os 2 e que um precisa se sacrificar mesmo que não queira. Trimagazi chama Goreng de Caramujo.
Quantas pessoas foram seus parceiros de negócio, parceiros amorosos e agora querem te comer vivo quando a situação mudou? Hem! caramujo?
Aqui não é um bom lugar. Entendeu agora? Você é mais jovem e mais forte do que eu. Pode não me atacar hoje ou amanhã. Mas, com o tempo, me olhará de outro modo. A fome nos deixa loucos. Nesses casos, é comer ou ser comido. – Sr. Trimagasi.
Ele chama de caramujo fazendo uma alusão ao Escargot que é como os ricos chamam o mesmo caramujo. Segundo Trimagazi , o caramujo precisa se purificar para se tornar um Escargot. Ou seja, talvez todos sejamos alimento mas somos caramujos e vamos nos purificando e nos tornaremos Escargot que são alimento da mesma forma. Não há escapatória.
Goreng quer ajudar as pessoas abaixo dele mas não consegue. Quando estava em um andar onde chegava pouca comida até pensava nisso mas não o fez e foi se acostumando ao que tinha. Agora que estava em um andar muito abaixo e estava amarrado a uma cama e sendo a comida, isso já não fazia mais sentido.
O desespero bate, a sua dor é maior que a dor dos outros e você se torna um animal. Nesse andar a violência impera e o livro já não pode ser usado e sim a faca ou a violência.
Ele esperneia mas com o passar do tempo também cede. Novamente ele se acostuma a situação e aceita que vai comer dele mesmo pois Trimagazi precisa que ele fique vivo para passar pelos tempo que ficaram lá. Ele vai alimentar Goreng com o próprio Goreng.
Canibalismo. A coisa inaceitável para todos nós mas que já foi ultrapassado em situações onde não havia outra forma de sobreviver. Ou seja, começamos a aceitar o inaceitável para que possamos viver. Será assim que levamos a vida? Aceitamos a corrupção, o vizinho maconheiro e ladrão porque preciso sobreviver e isso não me afeta no meu andar?
Quando Trimagazi esta cortando Goreng, uma asiática que eles tinham visto em cenas anteriores e que segundo Trimagazi procurava a filha no Poço desce na plataforma vazia e mata Trimagazi.
Ela para mim é o agente do caos que perambula pelos andares. Não pertence a nenhum e causa medo e terror em todos, sejam ricos ou pobres. É a violência do sequestro, do roubo, do assassinato que aterroriza a todos.
Ela ajuda Goreng e ele acorda em outro andar com outra pessoa. Nesse momento ele já esta aclimatado, passou pela semana zero e esta disponível a receber a instrução, a ser reconstruído. Ele vê a mulher comer e reservar duas porções para os de baixo e tentar argumentar com as pessoas de baixo.
Ele esta purificado, agora é um escargot. Você ja foi purificado? Olha pra vida e nada mais te afeta? Observa e segue seu caminho entendendo que “o sistema é foda parceiro?”
Outra personagem agora é inserida na trama, Imoguri. Ela conta sua história e como foi parar no Poço.
Quantos níveis tem? – Goreng.
– Duzentos. – Imoguiri.
Duzentos? Não tem comida o bastante para 200 níveis. – Goreng.
– Se todos comessem só o necessário, chegaria aos níveis inferiores. – Imoguiri.
Não é tão fácil aqui dentro. – Goreng.
– Não é, mesmo. Nem lá fora. – Imoguiri.
Encontrou outras pessoas pelo caminho que estão passando pelo que você passou? tentou passar sua experiência nessas situações e ela não ouve? não entende? Ela não é purificada pela vivência do sistema.
Ela tenta sem sucesso e Goreng vê isso e toma uma atitude. Ele interfere e diz Escutem, seus merdas. Façam o que a mulher diz, ou vou cagar na sua comida. E espalhar em cada grão de arroz, ouviram? Vão comer merda todos os dias. Passem para os infelizes abaixo. Ficou claro? – Goreng.
Goreng agora não usa mais o livro e sim a violência. O medo. Olha, tem um vírus que vai matar todo mundo, se comportem. A mulher diz que seria interessante convencer os de cima e Goreng responde que não é possível pois ele não consegue cagar pra cima.
Consegue perceber? Você só consegue subjulgar quem esta abaixo de você a fazer o que deseja com violência. Os que estão acima de você não vão sentir sua violência.
Até aqui já dá pra ter uma noção de como se desenrola esse filme. A vida é um poço e as vezes estamos em um andar e outras vezes acordamos em outro. Tudo se resume a comer. Quanto de seu salario você gasta com comida? quanto dele você gasta com comida para a alma? para o intelecto? Tudo realmente se resume a comer.
Os que estão baixo de você não te ouvem e não tem interesse em seus conselhos. Você ja esteve abaixo de seus pais e não os ouvia. Hoje esta acima de seus filhos e eles parecem não o ouvir. Isso acontece com todos.
Os que estão acima de você parecem não se importar e os que parecem, mutas vezes não recebem o apoio necessário pois acreditamos que eles devem fazer o que queremos que eles façam.
Deixo abaixo o trailer do filme para você ver pois tem muito mais para que possamos discutir aqui. Tem muito mais mesmo.