A HISTÓRIA DO EE-T1 OSÓRIO

By Maicon Werplotz July 8, 2016

Sim, por mais improvável que pareça nos dias de hoje, a indústria bélica nacional chegou a desenvolver o mais avançado tanque de combate do mundo do seu tempo. Mas assim como tantos outros grandes avanços em tecnologia bélica fora da esfera Norte Americana ou Soviética durante a Guerra Fria, sua vida foi breve.

Durante a década de 1980 o Exército Brasileiro já sentia a aguda necessidade de substituir os seus já ultrapassados M-41 Walker Bulldog’s, tanques leves americanos da época da Guerra da Coréia, que então já haviam passado por inúmeras melhorias, como remotorização e aumento da blindagem, e não apresentavam mais margem de serem considerados compatíveis a seus contemporâneos. Sendo responsável pela reforma dos M-41, a Bernardini S/A Indústria e Comércio ofereceu ao EB (Exército Brasileiro) um novo veículo blindado, batizado MB3 Tamoyo. O EB determinou que houvesse concorrência para este novo requerimento e chamou a ENGESA – Engenheiros Especializados S/A.

Na época, a ENGESA era a maior fabricante de blindados da América latina, tendo se especializado em veículos blindados sobre rodas, como o Carro de Escolta EE-3 Jararaca, o Destruidor de Tanques EE-17 Sucuri, o Veículo de Reconhecimento Armado EE-9 Cascavel e o APC Anfíbio EE-11 Urutu, para citar os principais. Todos estes carros então sendo usados pelo Exército Brasileiro e exportados, principalmente para o Oriente Médio, onde chegaram a participar da Guerra Irã-Iraque. 

Em paralelo, a Arábia Saudita também sentia a necessidade de substituir seus veteranos AMX-30 franceses, sendo que provavelmente compraria o alemão Leopard 2, que estava sendo desenvolvido para o exército da Alemanha Ocidental. Entretanto o governo alemão recusou-se a vender armamento de ponta a países não pertencentes à OTAN. Os árabes então estavam carentes de um MBT (Main Battle Tank – ou Carro de Combate Principal) e sem opções imediatas de adquirir um em grandes quantidades. Foi quando esta oportunidade foi percebida pela ENGESA.

A ENGESA então voltou seus esforços para a concorrência internacional para fornecimento de um novo MBT para o exército árabe. Entretanto a ENGESA jamais desenvolvera um veículo blindado sobre lagartas e no caso específico de um MBT, não possuía experiência alguma, além de seu pessoal já estarem engajados em outros projetos, e um projeto desta magnitude absorveria quase todo o quadro da empresa. A solução então seria comprar um projeto de alguma outra empresa e fabricá-lo na ENGESA. Surgiu então uma proposta da alemã Tyssen-Henschel, que possuía um projeto chamado Leopard 3 e estaria disposto a negociá-lo com os brasileiros, mas o mesmo se tratava de um projeto de carro de combate para a infantaria, e não se enquadrava nas características de um MBT. Uma segunda opção foi a Porsche, que se interessou em desenvolver um MBT em parceria com a ENGESA. A Porsche possuía experiência neste tipo de fabricação e seria uma grande oportunidade para os brasileiros absorverem esta tecnologia, mas por determinação do governo alemão, a parceria foi cancelada. Diante destes impasses, a ENGESA decidiu procurar os fornecedores destes mesmos fabricantes, e com a tecnologia aí adquirida, desenvolver seu próprio projeto de MBT. Foi uma decisão de extrema ousadia, que viria a decidir o futuro da empresa.

A ENGESA ainda teria de levar em consideração a requisição para o Exército Brasileiro e suas condições. O EB requeria um blindado de no máximo 36 toneladas e que obedecesse a largura máxima de 3,2 metros, limite das nossas ferrovias. Estas características correspondiam a um tanque leve, longe de um MBT. Os MBT’s em atividade na época se encontravam na faixa de 44 a 65ton. O EB na verdade não procurava por um MBT, visto que este era uma arma essencialmente ofensiva, e não defensiva, como era o desejo do EB, além do custo deste tipo de equipamento, claramente alto demais para os padrões do EB. Em negociação com o mesmo, a ENGESA conseguiu reduzir as limitações para o projeto e o peso para o Osório foi fixado em 42 ton, mantidos os 3,2 m de largura.

Resolvidos os impasses, a ENGESA  enviou engenheiros pelo mundo em busca dos equipamentos que viriam a ser utilizados no Osório, como, motor, transmissão, sensores, etc. O Exército Brasileiro começava também a demonstrar apoio ao projeto e mantinha estreito à ENGESA alguns de seus engenheiros.

O projeto começou a ser desenvolvido com o próprio capital de empresa, devido à ausência de financiamento governamental. Como os americanos não vendiam equipamento militar de ponta foram encontrados vários fornecedores europeus para os equipamentos do Osório, todos na vanguarda da tecnologia. O mesmo iria utilizar a suspensão pneumática da Dunlop, a mesma que equipava o Inglês Challenger I, transmissão LSG 3000, da ZF Friederichschafen AG, que possuía fábrica no Brasil, o que baratearia os custos. O motor seria o alemão MWM TBD234, de 1014 cavalos, que ainda nunca tinha sido utilizado em blindados, mas seria fabricado no Brasil.

Em relação ao armamento principal, foi decidido por duas versões, uma com canhão de 105mm de alma raiada Royal Ordnace L7 (inglês), para a versão nacional, visto que os canhões de 105mm eram padrão para o ocidente, o que facilitava principalmente a compra de munição, e para a versão saudita foi escolhido o canhão de 120mm de alma lisa GIAT G1 (francês). O fato do canhão de 120mm ser de alma lisa deve-se ao fato deste produzir um recuo menor que o de alma raiada, ideal para um tanque de peso reduzido como o Osório. A torre com o canhão de 120mm teria equipamento eletrônicos ligeiramente melhores que a de 105mm. O chassis seria o mesmo para as duas versões, e as torres seriam intercambiáveis.

O Osório seria equipado com blindagem composta, tecnologia usada até hoje, visto que foi projetado com o intuito de suportar um tiro direto de 120mm. A ENGESA então contratou dois engenheiros especializados da Inglaterra para desenvolverem a blindagem no Brasil, juntamente com uma de aço desenvolvida pela Usiminas. O Osório também possuía a frente bastante angulada, que maximizava a eficiência da blindagem, e chegou-se a cogitar a utilização de blindagem reativa, apesar de nunca ter sido de fato equipado com a mesma.

O Osório também contava com proteção NBC, ou seja, seu ambiente interno é totalmente isolado do exterior, o que permite a sua atuação em ambientes de guerra química, biológica ou nuclear sem risco à sua tripulação.

A eletrônica também era muito avançada, possuindo telêmetro a laser (que mede a distância do alvo e calcula a elevação do canhão), o sistema de controle  de fogo era o Centaur, inglês. Todo o sistema era controlado pelo computador  de bordo de 16 bits. Também possuía sensores para velocidade e intensidade do vento, condições atmosféricas, velocidade do projétil, entre outros. O atirador e o comandante dispunham de periscópios diurnos e noturnos, variando conforme a versão da torre (105mm ou 120mm), a torre de 105mm, era equipada com dois periscópios belgas, fabricados pela OIp, o comandante era equipado com o modelo LRS-5DN e o atirador era equipado com um modelo LRS-5DNLC, ambos com visão noturna, já a torre de 120mm era equipada com dois periscópios franceses, fabricados pela SFIM o atirador era equipado com um modelo VS580 VICAS, com telémetro a laser, o comandante era equipado com um periscópio VS580, com visão panorâmica, a torre também era equipada com um sistema de visão e tiro noturno, era um sistema holandês, fabricado pela Philips, modelo UA 9090, na qual tinha visores tanto para o comandante, tanto para o atirador. O Osório tinha a torre estabilizada, e compensador de desníveis, mantendo o canhão na direção certa do alvo independente da mudança de terreno. Aliado à sua “janela de coincidência” o índice de acerto no primeiro tiro era de incríveis 95%. A margem de erro não passava de um círculo com 50cm de raio.

Em termos táticos, tinha a vantagem de possuir uma silhueta baixa, o que somente o revelava ao inimigo a uma distancia inferior a 1 milha. Devido à poderosa e inovadora blindagem, seu baixo peso e motorização excelente lhe conferiam a melhor mobilidade da época nos mais adversos terrenos, próprio para engajamento a longas distâncias.

A ENGESA tinha como meta a conclusão do primeiro protótipo para um ano após o início do projeto. Para acelerar o processo, o desenvolvimento da torre foi encomendado à Vickers, inglesa, sob a supervisão de engenheiros brasileiros. O chassis estava sendo construído na ENGESA em São José do Campos, SP. Em paralelo, testes da blindagem estavam sendo realizados no CTA (Centro Tecnológico Aeroespacial)  em túnel balístico. O primeiro chassis ficou pronto em 1984, e imediatamente deu-se início a testes  de resistência, rodagem e dinâmica. Em julho do ano seguinte, o Osório seguiu para a Arábia Saudita, com a torre padrão de 105mm, a primeira a ficar pronta, para testes no deserto. Evidenciou-se pequenas falhas sanáveis, e os primeiros testes foram considerados um sucesso.

Tiro: 149 disparos. 82 com veículo e alvo estacionados a 4000m de distância; os demais com veículo estacionado e alvo em movimento e veículo e alvo em movimento a 1500m de distância

Os dois candidatos europeus foram reprovados nos testes, sendo passíveis de compra o Abrams e o Osório, tendo este demonstrado desempenho superior ao americano a espantosamente a um preço significativamente mais baixo

Hora dos testes reais

O Exército Brasileiro também estava testando o Osório, e o protótipo foi aprovado pelo EB após os testes:

*Rodagem de 3.269 km, sendo 750 no campo de provas da Marambaia – RJ (Terreno acidentado), além de tiro, 50 disparos no total. Os resultados empolgaram os militares brasileiros.

Em julho de 1987, o protótipo com o canhão de 120mm foi para a Arábia Saudita para mais testes, e confrontar seus 3 rivais, que eram o britânico Challenger 1, o americano M1 Abrams e o francês AMX-40. Os testes seriam:

* 2.350 km de rodagem, sendo 1750 km em deserto. A guarnição que operaria o tanque era do Exército Saudita, escolhida por sorteio. Neste teste, analisar-se-ia também o consumo de combustível que deveria ser no máximo de 2,1 km/l em deserto e 3,4 km/l em estrada.

* Rampas: Superar trincheiras de 3m de largura; arrancada, partindo do repouso em rampa de 65% de inclinação, rodar em rampa lateral de inclinação 30%, aceleração e frenagem no plano e em rampas.

* Resistência e manutenção: Remoção e colocação de lagartas em 40 minutos (10 para a retirada, 30 para a colocação), 6 horas com motor em funcionamento constante e veículo parado, 6 km de marcha-a-ré e reboque de um carro de combate de 35 ton por 15 km. O Osório rebocou o Abrams, muito mais pesado do que 35 ton.

 * Tiro: 149 disparos. 82 com veículo e alvo estacionados a 4000m de distância; os demais com veículo estacionado e alvo em movimento e veículo e alvo em movimento a 1500m de distância.

Os dois candidatos europeus foram reprovados nos testes, sendo passíveis de compra o Abrams e o Osório, tendo este demonstrado desempenho superior ao americano a espantosamente a um preço significativamente mais baixo.

A ENGESA estava entorpecida com os resultados. Previa-se um contrato para 702 unidades, num valor de US$7,2 bilhões, e para casa 10 tanques entregues ao Exército Saudita, um seria entregue ao Exército Brasileiro como parte do acordo. O contrato chegou a ser preparado com previsão de se construir inclusive uma linha de montagem na Arábia Saudita. Militares sauditas vieram ao Brasil para receber treinamento em tecnologia de blindados. Em 1988 em Abu Dhabi, o Osório tornou a derrotar os mesmos três adversários acrescidos do C-1 Ariete italiano, mostrando sua competência. Os únicos veículos de sua categoria contra os quais o Osório não competiu foram os tanques russos. Como a guerra fria vingava, não havia muitos tanques russos para se fazer comparativos. A vitória e as vendas para os sauditas eram dadas como certas, e uma pré-série começava a ser construída, para exportação. Outros mercados ainda eram sondados: O Iraque se interessou no veículo, tendo inclusive o ministro da defesa iraquiano vindo ao país para conhecer o carro.

Mas, vale ressaltar que beira à lógica que os Estados Unidos não iriam simplesmente perder uma concorrência bilionário para equipamentos bélicos, e a “diplomacia” entrou em cena. Sob forte pressão Americana, os sauditas começaram a demonstrar hesitação pelo Osório, e as esperanças de venda foram definitivamente enterradas quando da invasão do Kuwait em 1991 pelo Iraque, e a operação Tempestade do Deserto, deflagrada pelos americanos em socorro à seus aliados. Este fato estreitou as relações entre os americanos e os sauditas a ponto destes terem fechado contrato para a compra de 315 unidades do Americano A1 Abrams.

No Brasil, o Exército Brasileiro havia optado pelo Tamoyo para sua necessidade interna, veículo que foi basicamente desenvolvido para este requerimento obedecendo às limitações de emprego e financeiras do EB. Esta falta de interesse também do mercado interno pelo Osório selou o destino do projeto, e também da ENGESA, que investira todos os seus recursos no desenvolvimento do Osório, adquirindo muitas dívidas, na situação insanáveis, que culminou com a declaração de falência da empresa em 1993.

Foram construídos ao todo 3 protótipos. O primeiro com torre falsa foi desmantelado e vendido como sucata. Teve seus equipamentos devolvidos aos seus fornecedores como abatimento das dívidas. Os outros dois agora, por decreto governamental, são propriedade do EB, que os mantém em ótimas condições como uma lembrança da capacidade técnica da nossa indústria, e do que ela poderia ter sido.

Ainda hoje o ENGESA EE-T1 Osório impressiona, apesar de ter sido fabricado na década de 80. Osório constitui o carro de combate mais avançado do inventário do Exército Brasileiro (único com canhão de 120mm), e duas gerações a frente do Leopard, hoje principal carro de combate em uso no Brasil. Em 2003, foi aprovado um plano de reforma do Osório do Exército Brasileiro, e encontra-se em estudo, uma reformulação e possível produção do MBT Osório. Os meios de produção encontram-se em poder do Exército, portanto, a possibilidade existe, mas segundo o ex-presidente da Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL), Armando Luiz Malan de Paiva Chaves, em entrevista ao Correio Braziliense, jornal da capital brasileira, restaram menos de 20 por cento das plantas originais do carro de combate, o que inviabilizaria a retomada do projeto.