Com raras exceções, qualquer ser humano que tenha o ímpeto de realizar um a ação violenta contra um semelhante apresentará indica dores claros de seus objetivos
Um breve estudo da bioquímica do medo, do clássico mecanismo de luta ou fuga e de padrões socioculturais permite identificar tendências comportamentais e fisiológicas aptas a apontarem a iminência da ação, bem como o estresse que a precede. A análise desses elementos é o propósito deste resumido trabalho.
Um dos aspectos abordados pela psicologia de combate tradicional é o mecanismo de luta ou fuga. Segundo ele, frente ao perigo, animais – incluídos os seres humanos –, passam por uma série de processos naturais que os prepararão para o embate. No entanto, este modelo não é perfeitamente aplicável em situações nas quais a tensão, ameaças e agressões são ocasionadas por um ser da mesma espécie (homem vs. homem, por exemplo). Nesses casos, há uma expansão do leque de ações passíveis de serem adotadas, sendo possível que o indivíduo confrontado lute, fuja, tente intimidar o adversário ou a ele se submeta. É o que afirma o Tenente Coronel do Exército dos Estados Unidos, Dave Grossman, em seu livro On Killing.
Segundo ele, quando sob tensão e ameaça provocados por outrem, a primeira medida adotada pelo indivíduo “geralmente envolve decidir entre fugir e intimidar” o adversário. “Quando a intimidação falha em dissuadir o oponente da mesma espécie, as opções restantes são fugir, lutar ou se submeter”. Percebe-se, portanto, que como regra, situações de violência são decorrentes de prévia escalada na interação entre os envolvidos. Geralmente, esse processo se dá através do contato inicial, atrito e evolução das tensões, intimidação mútua e opção pela fuga ou luta. No entanto, não se pode falar na existência de um modelo rígido, sendo possível que haja uma mudança de ordem dessas etapas, sobreposição ou mesmo a eliminação de algumas delas.
Como consequência lógica do modelo apresentado por Grossman, a maioria das ações agressivas é precedida por sinais evidentes de seus autores. Isso é facilmente perceptível no mundo animal. Uma cascavel balança seu chocalho para mostrar sua periculosidade; um felino, quando ameaçado, chia, arqueia as costas e eriça seus pelos; um cão rosna e mostra seus dentes ao identificar um potencial agressor. Com o ser humano ocorre de maneira similar e, muito embora, tendências de comportamento possam se alterar de acordo com o tempo, local e cultura, muitas delas são idênticas e imutáveis, representando pistas de suas intenções.
“Quando a intimidação falha em dissuadir o oponente da mesma espécie, as opções restantes são fugir, lutar ou se submeter”
É com base no exposto que buscaremos apontar, a seguir, alguns indicadores a serem observados durante interações policiais – e mesmo no cotidiano, em contatos normais -, como forma de fornecer ferramentas que permitam identificar ameaças e antecipar ações para impedir que haja uma escalada agressiva ou para mitigar seus efeitos.
Psicologia do Combate
Mas comecemos pela premissa básica. Qualquer confronto ou agressão causados por indivíduos normais, desarmados ou equipados com armamentos convencionais, exige o encurtamento de distâncias. E é importante frisar que foge à normalidade, devendo despertar atenção, qualquer tentativa de um indivíduo ou grupo desconhecidos de forçarem aproximação ou entrada no espaço pessoal de outrem.
Ao decidir efetuar um ataque, é provável que a pessoa – ou grupo -, não o faça de forma cega, lançando-se à ação irracionalmente. A tendência é que busque escanear o local, avaliar seu alvo, se aproximar, para, somente a partir daí, iniciar sua ação. Quando essa aproximação não é realizada pelo policial, é possível observar uma série de padrões comumente adotados por criminosos e indivíduos violentos, quais sejam:
– Avaliação do alvo e comunicação furtiva: (a) Atenção focada no alvo, através de olhares fixos; (b) membros de um grupo intercalando olhares entre si, o alvo e as redondezas; (c) membros de um grupo discutindo algo e balançando a cabeça em concordância; (d) comunicação através de sinais; (e) ação de ir e voltar (a pé ou em um veículo) do lugar onde o alvo se encontra, etc.
– Escaneamento do cenário: O indivíduo buscará analisar as condições do local e a presença de testemunhas ou pessoas capazes de prestarem auxílio a seu alvo, ocorrendo (a) olhares furtivos para os arredores; (b) olhadas rápidas em quinas e cantos de rua, buscando identificar outros passantes; (c) avaliação de terceiros presentes no local, etc.
– Encurtamento de distância: (a) Aproximações rápidas e furtivas, buscando pegar o alvo de surpresa; (b) aproximações agressivas, com verbalização ameaçadora; (c) aproximações amistosas sem ser convidado, que impõem um dilema de se a pessoa deve repelir o indivíduo ou aceitar sua presença (Ex: apertos de mãos de estranhos); (d) aproximação de membro de um grupo, enquanto os demais se reposicionam; (e) pedidos de informação, (f) simulação de colapsos, (g) pedidos de ajuda, etc.
– Movimentações táticas: (a) Acompanhar a cadência de movimento do alvo; (b) tomar os mesmos sentidos que o alvo (Ex: o alvo cruza a rua e o indivíduo o acompanha); (c) tentativas de forçá-lo a entrar em local confinado ou ermo; (d) posicionar-se em lugar escuro ou tentar dissimular sua presença; (e) divisão do grupo na tentativa de confinar os movimentos do alvo, etc.
– Provocação visando aproximação: (a) Membro de um grupo confronta o alvo ou o desafia por algo pequeno ou irracional (Ex: o famoso “está olhando o que”?), criando uma justificativa para aproximação agressiva, etc.
– Sinais de presença: Padrões de comunicação destoantes, indicando a presença do alvo ou dando início à movimentação do grupo para a ação agressiva (Ex: simulação de sirenes policiais e acionamento de fogos de artifício), etc.
Quando a distância entre os envolvidos está reduzida ou já existe uma interação entre eles, é possível detectar sinais de estresse que podem servir de indicadores para que se adéque o nível de alerta apto a lidar com a situação. No momento em que um indivíduo experimenta uma interação tensa com outro, havendo a possibilidade de um embate ou necessidade de fuga iminentes, o estresse desencadeia uma descarga de substâncias em seu organismo de forma a prepará-lo. Hormônios como adrenalina, noradrenalina, acetilcolina e cortisol causam aumento da frequência cardíaca, da pressão arterial, do fluxo de oxigênio e da taxa respiratória, bem como vasoconstrição, contração muscular, etc.
Como consequência, é possível observar:
– Respiração ofegante: Acelerada, pesada e superficial.
– Pulsação evidente: Especialmente em áreas como pescoço e têmporas.
– Sudorese repentina.
– Tremores: Principalmente nos joelhos e mãos.
– Palidez na pele: Decorrente do envio de sangue para principais grupos musculares e órgãos.
– Corpo gelado: Especialmente as extremidades.
– Dilatação de pupilas e rápidas piscadas de olhos.
– Inquietude e movimentos anormais.
Ao perceber as reações naturais de seu organismo ao estresse, o indivíduo, provavelmente, tentará disfarçar os sinais mais evidentes de seu estado de tensão. Neste ponto da interação será possível observar indicadores como:
– Cruzar os braços, colocar as mãos nos bolsos, esfregar as mãos contra o corpo, a roupa ou uma na outra: Tentativas de esquentar as extremidades, enxugar o suor e disfarçar os tremores.
– Prender a respiração ou tentar controlar seu ritmo.
– Passar a mão no rosto e cabelo ou tentar esconder a face, virando-a em outro sentido.
– Coçar ou passar a mão em partes do corpo, como pescoço, ombros, nariz e peitoral: Conduta que visa aliviar a tensão muscular ou amenizar sensações decorrentes da descarga hormonal.
– Movimentos de retenção e relaxamento muscular: (a) Abrir e fechar as mãos; (b) cerrar os punhos; (c) se sacudir; (d) andar de um lado para o outro; (e) balançar-se para frente e para trás, etc.
Com a evolução da interação e sua eventual escalada para um nível mais agressivo, poderão ser observados comportamentos visando à intimidação e provocação do oponente. Da mesma forma que ocorre no mundo animal, tratam-se de posturas que tendem a seguir um padrão, visando demonstrar força, dominância, dissuadir o indivíduo visto como ameaça de prosseguir com o contato ou incitá-lo ao erro.
É possível Observar:
– Estufamento do peito e arqueamento dos ombros: Artifícios que buscam fazer parecer que o indivíduo é maior do que realmente é.
– Erguer o queixo em posição desafiadora. – Mostrar os dentes ou morder o lábio de baixo.
– Retenção muscular: (a) Mandíbula travada; (b) sobrancelhas e testa tensionadas; (c) olhos cerrados; (d) lábios pressionados firmemente um contra o outro, etc.
– Contato visual fixo e ameaçador: Encaradas intencionais, sem quebra de contato.
– Insultos não verbais: Através de gestos e movimentações obscenas, etc. Visam desestabilizar o oponente, incita-lo a entrar no confronto de forma impensada ou demonstrar desprezo e ausência de medo em relação a potenciais retaliações.
– Xingamentos: Seguem a mesma lógica dos insultos não verbais.
– Ameaças explícitas: Palavras agressivas e ameaçadoras, objetivando demonstrar a determinação em lutar e resistir na eventualidade da situação escalar ainda mais. São comuns frases como “só saio daqui morto”, “vem que vou te arrebentar”, “vai morrer”, etc.
– Ameaças sutis: Frases como, “você é abusado”, “você deveria ser menos arrogante”, “você ainda vai ter problema por causa disso”, “quero saber quem é o comandante”, “vou na Corregedoria” indicam descontentamento e ímpeto de tomar alguma ação em relação àquela interação, o que pode ocorrer com a evolução do contato ou em momento posterior.
– Incitamento ao uso da força: Provocações por meio de imperativos como “vai, atira” ou “me mata” podem representar uma real intenção de levar a situação ao limite ou uma determinação irracional de lutar contra tudo e todos.
– Cusparadas ao chão: Demonstram desprezo e representam um teste ao controle exercido pelo oponente sobre a situação, isto é, se aceita humilhações e tentativas de subjugação.
– Empinar motocicletas e bicicletas: Visam demonstrar que a presença do oponente não causa temor ou afetam a destreza do indivíduo, pelo contrário.
– Espreguiçar ou bocejar forçadamente: Além de constituírem tentativas do corpo de obter algum relaxamento muscular e maior oxigenação, quando feitos forçadamente, significam desdém e uma tentativa de mostrar que o indivíduo está tranquilo e no domínio do cenário.
Caso a interação continue evoluindo rumo ao ápice de agressividade, entra-se em modo de submissão ou preparação para fugir ou lutar. Recaindo a escolha sobre as duas últimas opções, é possível que, em um primeiro momento, o indivíduo lance mão de estratégias para inflamar o local onde ocorre o contato ou para testar a determinação do seu oponente. Também ocorrerão acessos de raiva e indignação. Poderá ocorrer:
– Postura não colaborativa: (a) Não acatamento aos comandos emanados; (b) ponderação; (c) tentativas de barganha, etc.
– Exposição a ações mais incisivas: (a) Virar as costas e sair andando em desobediência; (b) encostar-se à parede e desconsiderar comandos verbais; (c) extrema lentidão no acatamento de ordens, etc.
– Gritos de socorro na tentativa de chamar atenção e auxílio: (a) Chamar pela mãe, familiares ou amigos; (b) gritar que está sendo agredido; (c) pedir socorro, etc.
– Inquietação e movimentos exagerados: (a) Sacudir os braços com grande amplitude; (b) reclamar batendo os braços nas pernas; (c) bater os pés no chão, etc. Sinalizam um nível mais elevado de agressividade e servem para testar a atenção e reflexos do oponente.
– Direcionar raiva a itens inanimados: (a) Arremessar objetos; (b) socar paredes, mesas, etc. Comportamentos que seguem a mesma lógica do item anterior.
– Ataques simulados: (a) Balançar os punhos; (b) gingar as pernas, etc. Denotam postura desafiadora.
– Aumentos repentinos no tom de voz, disparando palavras em tom agressivo e raivoso.
Quando a interação chega no limite da agressividade, o indivíduo passa a dar indicativos de que se aproxima do seu “ponto de ebulição”. Neste momento, ações violentas, sejam de luta, sejam de tentativa de fuga, são iminentes e prováveis.
– Autossugestão para assegurar direito de agir: Muitos agressores procurarão legitimar seus ataques, convencendo a si mesmos de que o oponente fez algo aviltante. Perguntas do tipo: “vai me prender mesmo?”, “vai fazer isso mesmo?”, “vai me esculachar?”, “você acha que só porque é policial pode fazer isso?” indicam reforço psicológico à decisão de agir agressivamente.
– Abaixar o tom de voz repentinamente: Representa tentativa de forçar a aproximação ainda maior do oponente.
– Rapidamente mudar de estado não cooperativo para cooperativo: (a) Aparente aceitação e acatamento dos comandos, após tensão inicial; (b) reforço afirmativo e repetição da fala do oponente; (c) pedidos direcionados ao oponente (Ex: “pode afrouxar as algemas?”, “posso só pegar o documento?”, “pode chamar minha mãe?”), etc. Aparentemente essas ações representam uma desescalada, mas devem aumentar o sinal de alerta, pois podem significar uma tentativa de fazer o oponente baixar a guarda ou se aproximar.
– Falar pausadamente, enfatizando cada palavra: Falar em um tom mais baixo e, de forma deliberada, ressaltar e enfatizar cada palavra (Ex: Como. Se. Estivesse. Falando. Assim). Indicativo de um nível elevado de raiva.
– Posição de luta: Quando alguém pretende iniciar um ataque, instintivamente, realiza uma mudança em seu centro de gravidade. Desta forma, tende a adotar uma postura agressiva, que remete à base de boxe (Um pé posicionado na retaguarda, formando 45º em relação ao outro, ombros e peitoral encolhidos, cabeça e queixos mais abaixados, punhos cerrados ou abrindo e fechando).
– Atenção focada: O potencial agressor, em algum momento, irá travar olhar em ponto específico do corpo de seu oponente, geralmente, na área que pretende atacar ou no objeto que pretende tomar. É um sinal difícil de identificar, pois o indivíduo poderá estar conversando com seu oponente, distraindo-o.
– Liberar passagem: Mover objetos (mesas, cadeiras, etc.) para abrir passagem que facilite a aproximação e o início da ação agressiva.
– Retirar peças de roupa e outros objetos do corpo: (a) Tirar peças de roupa ou óculos; (b) colocar copos ou outros objetos que esteja segurando sobre a mesa, etc. Iniciativas que visam à preparação para um ataque ou fuga, facilitando a movimentação, ou impedir danos a objetos pessoais. Pode ser, também, uma resposta ao calor do corpo, devido à excitação.
– Fechar portas e janelas: Ação voltada à impedir que suas ações sejam reveladas e testemunhadas por outras pessoas.
Neste ponto, cabe destacar também que, na iminência de uma ação agressiva e explosiva, áreas do cérebro entram em verdadeiro conflito. Seres humanos não foram projetados para serem multitarefa. Desta forma, quando se está concentrado em avaliar alvos e condições de ação, a distração em relação a outros fatores é algo natural. Portanto, é possível que ocorra:
– Contato visual fixo e distante: Como resultado da concentração no rápido planejamento e execução da investida, o indivíduo demonstra estar mentalmente desconectado da realidade, olhando através de seu oponente, de forma distante.
– Ausência, hesitação ou lentidão na verbalização: Indivíduo tenderá a (a) repetir palavras e construções verbais de seu oponente (Ex: “meu nome?”, “onde eu moro?”); (b) ter dificuldades em fornecer dados básicos como nome, idade, endereço (Ex: “Moro na quadra 1, conjunto a, casa 2. Não, quadra 2, conjunto b, casa 1”, “tenho 19. Não, tenho 21”); (c) entrar em contradições (Ex: “não tenho passagem, só quando de menor”); ou mesmo (d) silenciar.
Os indicadores citados acima permitem que o policial – ou qualquer pessoa, com as devidas adaptações à realidade vivenciada – adote as medidas adequadas para que ações agressivas de fuga ou luta não sejam desencadeadas. Cumpre destacar que as “pistas” apontadas podem se apresentar em diversas fases da interação, não havendo uma ordem fixa de ocorrência. Não há garantias de que potenciais agressores se portarão desta ou daquela maneira. Alguns são imprevisíveis, devido ao uso de substâncias entorpecentes ou em razão de distúrbios mentais. O importante é que se tenha sempre em mente que indivíduos agressivos passam por um processo complexo antes de iniciarem suas ações. A maioria deles não pretende ser ferida ou morta quando de suas investidas, de forma que tendem a avaliar o cenário em que se encontram e as chances de sucesso. Se o policial estiver atento e conseguir reconhecer as diversas etapas desse processo, poderá agir antes de se ver no meio de uma escalada violenta.
Por fim, é fundamental que, diante de situações ameaçadoras, se confie no sexto sentido (Ex: arrepios, incômodos inexplicáveis na presença de determinado indivíduo, desconforto em determinado local, etc.), pois a mente humana, inconscientemente, identifica sinais de perigo. Nesses casos, é primordial que se aumente o estado de atenção e a capacidade de pronta reação.