Dias depois dos ataques todo mundo buscava fazer algo diferente, passados alguns meses não se fala mais nisso.

Logo após o ataque, muito se falava sobre novas formas de abordagem, novos treinamentos. Passado o tempo, só fica a lembrança até o próximo ataque.

Sempre que um atentado acontece, ou algum crime que tenha comoção social, vemos enxurradas de comentários, de idéias, de especialistas comentando e muito mais. A mídia chama o especialista para um programa de TV, ele aparece em revistas, policiais conversam sobre isso na mesa do café e tudo parece que vai mudar até alguns dias depois quando tudo cai no esquecimento e “Está tudo como dantes no quartel de Abrantes.”

Para quem não esta familiarizado com essa expressão, disse que surgiu no início do século 19, com a invasão de Napoleão Bonaparte à Península Ibérica. Portugal foi tomado pelas forças francesas, porque havia demorado a obedecer ao Bloqueio Continental, imposto por Napoleão, que obrigava o fechamento dos portos a qualquer navio inglês. Em 1807, uma das primeiras cidades a serem invadidas pelo general Jean Androche Junot, braço-direito de Napoleão, foi Abrantes, a 152 quilômetros de Lisboa, na margem do rio Tejo. Lá instalou seu quartel-general e, meses depois, se fez nomear duque d’Abrantes.

O general encontrou o país praticamente sem governo, já que o príncipe-regente Dom João VI e toda a corte portuguesa haviam fugido para o Brasil. Durante a invasão, ninguém em Portugal ousou se opor ao duque. A tranquilidade com que ele se mantinha no poder provocou o dito irônico. A quem perguntasse como iam as coisas, a resposta era sempre a mesma:

“Está tudo como dantes no quartel d’Abrantes”. Até hoje se usa a frase para indicar que nada mudou.

Então, voltando ao nosso assunto, tudo permanece da mesma forma na maioria das unidades e nada ou quase nada foi feito para que se possa conter um próximo ataque. A calmaria e a normalidade voltam a reinar nos lares dos brasileiros que querem assistir as suas novelas favoritas e as séries de Tv mais promissoras. Afinal, é disso que se trata a vida não é mesmo? Passar o tempo, se entreter, falar mal de políticos, fugir da realidade esperando o próximo salário.

Mas nem para todo mundo isso é assim, é claro. Existem pessoas que mudaram suas condutas, seu modo de agir e de ver a vida. As tocadas por essas tragédias com certeza mudaram alguma coisa. Como uma pedra jogada no lago que deixa seus círculos cada vez maiores e com menos intensidade, quanto mais longe da crise menos tempo se passa pensando no que fazer para que isso não ocorra, afinal, comigo isso não aconteceria não é?

Penso que um dos maiores obstáculos a superar no treinamento de qualquer unidade é a comunicação.  Quando esse tipo de crise ocorre, surge os líderes momentâneos que encabeçam e não dão continuidade a coisas. É só surgir uma nova cenoura que esse líder se deslocam para ela. Não há consistência, não há continuidade, tudo se perde com o tempo.

Embora a autoconfiança seja uma característica admirável, os policiais precisam ser treinados para entender o poder da equipe, independentemente de serem dois ou cinquenta. Além disso, precisam entender que crises como as que ocorreram e possivelmente piores que essas e inimagináveis poderão ocorrer novamente e que devem estar, ou pelos menos buscar estar, preparados para reagir a isso.

Mas imaginar esses cenários em um treinamento pode ser complicado não é? Entra a comunicação e o “e se isso” ou e “se aquilo”, ocorre as resistências e a comunicação é interrompida. Volta-se ao indivíduo e não mais a equipe e tudo pode ir por água a baixo. Quando isso ocorre é melhor deixar assim não é? Para que se estressar com isso. Deixa quieto. Voltamos a nossa programação normal.

Quando a maioria se depara com um cenário de treinamento de alto estresse, muitos treinandos esquecem que têm uma equipe com eles e se cada um têm um desempenho ruim, é porque agem como indivíduos e não como companheiros de equipe. Você não vai salvar o mundo sozinho, afinal, o todo é maior que a soma das partes e você precisa entender isso. Se alguém se prontificou a criar um treinamento, pare e ouça, contribua para que se torne o melhor possível e resolva um problema. Quem sabe o próximo ataque seja na escola do seu filho?

Os exercícios de formação de equipe devem ser realizados regularmente, inicialmente no local controlado da academia, e após, incorporados periodicamente ao longo da carreira do policial. Os exercícios de formação de equipe beneficiarão todos os policiais, exigindo que trabalhem juntos nas chamadas do dia a dia, em vez de agirem como indivíduos. Entenda que você não esta sozinho e aprenda a trabalhar em grupo.

Você deve sim trabalhar a sua parte, deve se manter treinado, afinal, isso é o que faz não é? Escolheu fazer isso. Poderia ter feito qualquer outra coisa e ainda pode, mas escolheu salvar vidas mesmo com o risco de sua própria vida.

Pensando no indivíduo. O que você tem feito em favor de sua equipe e de voçê mesmo? O que sua unidade esta fazendo para que crises como a de Suzano não ocorram ou possam ser mitigadas com a perda mínima de vidas inocentes?

Integre todos os profissionais de sua unidade nos cenários que você projetar. Todos devem estar interessados no resultado da ação independente de cargo ou função.

Se você vai analisar cenário de Atirador Ativo, inclua seu grupo de PROERD, inclua o grupamento de Cães, inclua os professores nas escolas, os vizinhos da escola e por ai vai. Veja como cada um pode contribuir com a resolução do problema e mostre como em equipe se pode fazer muito mais.

Somos Todos Um

Se sua unidade tiver recursos para treinamento baseado em cenário, desenvolva evoluções que falharão se os alunos não trabalharem em equipe. Este tipo de treinamento não deve ser evitado como sendo uma configuração para o fracasso, mas sim adotado como uma maneira de mostrar aos seus formandos como indivíduos que eles são fortes, mas como uma equipe eles são invencíveis. 

Não pense somente em treinar neutralizar os agentes mas em medidas que possam auxiliar na resolução do conflito. Alguém já pensou em acionar os alarmes de incêndio de uma escola ou local onde há um ataque?

Há alarmes de incêndio nesses lugares?

O conceito de Corra, Se esconda ou lute já foi explicado a essas pessoas? Seu pessoal sabe disso? Você sabe?

A prefeitura de Houston promoveu um vídeo que incentiva as pessoas a fazerem algo para salvar suas vidas. O que as brasileiras fizeram até agora? O que você esta fazendo?