Por Marcus Fernandes de Oliveira
Instituto de Bioquímica Médica, Universidade Federal do Rio de Janeiro
O urânio empobrecido é um subproduto do processo do enriquecimento da forma natural desse elemento químico. Pelo fato de esse metal ser extremamente denso, resistente e inflamável, ele vem sendo amplamente empregado na área civil e militar. Seu uso crescente vem aumentando a dispersão de partículas de urânio empobrecido na natureza, expondo principalmente as populações civis a potenciais riscos cujo real impacto para a saúde humana e o meio ambiente ainda é obscuro e polêmico.
Há ainda a suspeita de que seu emprego em armamentos militares possa ser um modo silencioso de os países com altos estoques desse metal eliminarem resíduos tóxicos de seus territórios, depositando-os em locais atingidos por guerras, principalmente nos últimos 15 anos.
A utilização do urânio em sua forma natural data de 79 a.C., quando artesãos aplicavam esse metal na superfície de vidros e de cerâmicas, como um corante para obtenção de amarelo. Sua descoberta foi creditada ao químico alemão Martin Heinrich Klaproth (1743-1817), que o batizou urânio, em 1789, em homenagem à descoberta do planeta Urano, ocorrida oito anos antes. Posteriormente, o físico francês Antoine Becquerel (1852-1908) identificou as propriedades radioativas desse elemento.
Na década de 1940, as iniciativas do governo norte-americano visando ao desenvolvimento da primeira bomba atômica, através do Projeto Manhattan, inauguraram a era nuclear, em 15 de julho de 1945, no teste Trinity . Em 6 de agosto daquele ano, uma bomba de quatro toneladas, contendo cerca de 60 kg de urânio e batizada de Little Boy (Rapazinho), foi lançada sobre em Hiroshima (Japão), Três dias mais tarde, uma segunda bomba atômica cai sobre Nagasáki. Essas explosões causaram a morte instantânea, bem como nas décadas seguintes, pelos efeitos nocivos da radiação no organismo, de aproximadamente 200 mil pessoas. Desde então, o urânio passou a ser um elemento de importância estratégica no cenário político mundial, tanto sob o ponto de vista energético quanto militar.
Sobra empobrecida
O urânio é o elemento mais denso que ocorre na natureza. Sua concentração estimada na crosta terrestre está em torno de 4 miligramas por quilograma (mg/kg), podendo ser encontrado em vários tipos de solo. Apesar de sua alta densidade, o urânio não é raro, sendo mais abundante até que o tungstênio, mercúrio ou chumbo.
Embora considerado pouco radioativo, o urânio é um metal pesado com potencial quimiotóxico. Todos os seus isótopos (no caso, átomos de urânio que se diferenciam apenas pelo número de nêutrons no núcleo) emitem partículas alfa (formadas por dois prótons e dois nêutrons). Devido ao grande tamanho, as partículas alfa perdem rapidamente energia cinética, o que reduz seu poder de penetração. Assim, são incapazes de penetrar até as camadas superficiais da pele humana. Portanto, acredita-se que o urânio só ofereça risco à saúde humana se for absorvido por inalação e ingestão ou penetre os tecidos.
O urânio natural, encontrado na forma de minério, é composto por uma mistura de três isótopos distintos: o urânio 235 (235U), o urânio 234 (234U) e o urânio 238 (238U), em que a concentração de cada um dos isótopos está diferentemente representada (respectivamente, cerca de 0,71%, 0,0054% e 99,28%). Devido à radioatividade, a quantidade de urânio em uma amostra diminui gradativamente ao longo do tempo, mas sua meia-vida (tempo necessário para a quantidade de urânio se reduzir à metade) é extremamente longa: cerca de 4,5 bilhões de anos para o 238U.
Desses isótopos, apenas o 235U é utilizado como combustível nos reatores de usinas nucleares, bem como na produção de energia e em armas nucleares, pelo fato de ser o único capaz de sofrer fissão nuclear (fragmentação do núcleo atômico) provocada por nêutrons lentos (pouco energéticos).
Como a proporção do 235U é muito baixa no urânio natural, é preciso grandes quantidades deste último para se obter frações mínimas do primeiro. O urânio natural que sobra nesse processo de produção fica com um percentual de aproximadamente 0,3% de 235 U e passa a ser chamado urânio empobrecido.
Inflamável, penetrante e barato
No início da década de 1970, o exército norte-americano iniciou pesquisas para o uso de metais de alta densidade em projéteis para perfurar blindagens. Metais como o tungstênio e o urânio empobrecido foram testados, e os resultados mostraram que o desempenho de ambos foi muito superior ao de outros metais. Uma das vantagens dos projéteis contendo urânio empobrecido é que eles se inflamavam quando atingiam uma superfície dura (rochas, blindagens de aço etc.), devido às altas temperaturas geradas pelo impacto e ao relativamente baixo ponto de fusão do urânio (1.132 °C). Assim, esses projéteis tornam-se mais finos à medida que derretem, fazendo com que penetrem blindagens mais resistentes.
Por não ser inflamável e ter um alto ponto de fusão (3.410 °C), o tungstênio não se mostrou tão adequado para uso em projéteis de perfuração de blindagens. Além disso, esse elemento foi menos efetivo que o urânio empobrecido quando empregado como blindagem em tanques.
Portanto, o urânio empobrecido, também em função de sua ampla disponibilidade e baixo custo, acabou sendo escolhido para uso maciço em projéteis de alta penetração e em blindagens de veículos de combate. Isso resolvia, em parte, outro problema: a estocagem do urânio empobrecido gerado em grandes quantidades pelas usinas de enriquecimento, reciclando-o para outra finalidade. Com relação às forças armadas brasileiras, segundo uma publicação especializada (Âncoras e Fuzis, ano III/nº 10 – 1º de maio de 2001), tanto a Marinha Brasileira quanto o Corpo de Fuzileiros Navais não utilizam munição de urânio empobrecido, mas sim à base de tungstênio. No entanto, contatos feitos pelo autor deste artigo com órgãos federais brasileiros (Ministério da Defesa, Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares e Centro de Tecnologia da Marinha em São Paulo), questionando-os sobre o uso ou não do urânio empobrecido para fins militares, foram infrutíferos até agora.
Golfo, Bósnia e Kosovo
Para exemplificar o poder de munições que empregam urânio empobrecido, os projéteis de 30 mm usados pela força aérea norte-americana na Primeira Guerra do Golfo, em 1991, foram capazes de atravessar blindagens de aço com até 9 cm de espessura. Quando atingiam o solo de argila, os projéteis penetravam até 3 m.
As inúmeras vantagens do urânio empobrecido levaram ao desenvolvimento maciço desses armamentos, principalmente nos Estados Unidos, onde estimativas indicam que cerca de 600 mil toneladas de urânio empobrecido tenham sido produzidas, sendo parte estocada sob a forma de hexafluoreto de urânio em cilindros enormes. Cerca de 320 toneladas foram empregadas no Iraque e no Kuwait nos conflitos decorrentes da Primeira Guerra do Golfo, e posteriormente outras 15 toneladas foram usadas na Bósnia (1995) e em Kosovo (1999).
Devido ao sucesso nessas campanhas militares, é provável que as forças norte-americanas e britânicas tenham feito uso dessas armas nos conflitos do Afeganistão (2001) e da Segunda Guerra do Golfo (2003). Esses armamentos também podem ser lançados por tanques, caças-bombardeiros, helicópteros e navios.
Algo fica no ar
Quando um projétil contendo urânio empobrecido atinge uma superfície resistente (por exemplo, a blindagem de um tanque), forma-se pelo impacto uma poeira que se dispersa pela atmosfera. Estimativas indicam que cerca de 35% do urânio empobrecido das munições se tornam partículas de aerossóis no impacto ou quando esse metal se inflama. Essas partículas mantêm-se suspensas na atmosfera por um longo tempo, facilitando sua dispersão.
O maior risco de projéteis e fragmentos contendo urânio empobrecido sobre o meio ambiente é o de contaminação do solo e/ou dos lençóis freáticos. Após um ataque com esse tipo de munição, os fragmentos de projéteis parcialmente oxidados são depositados em superfícies e no solo. Investigações conduzidas em locais de teste nos Estados Unidos mostraram que a maior parte da poeira de urânio empobrecido é depositada em um raio de 100 m do ponto de impacto. Mas outros estudos sugerem que essa distância pode chegar a 40 km.
Acidentes aéreos
O urânio empobrecido já foi utilizado como aditivo fluorescente em porcelanas dentárias. Atualmente, ainda é empregado em proteções contra os raios X; como contrapesos de flaps e lemes de aviões comerciais; em quilhas de veleiros; e em carros de Fórmula 1. Uma das principais aplicações civis do urânio empobrecido é em lastros de aviões cargueiros. Um Boeing 747, por exemplo, pode empregar entre 400 kg e 1,5 mil kg desse metal como lastro. O motivo é sua alta densidade: um volume diminuto desse metal tem uma massa muito grande (ou seja, “pesa” muito).
Mas seu uso civil tem sido bastante discutido, e, aos poucos, esse metal vem sendo substituído pelo tungstênio, devido aos possíveis efeitos à saúde humana e ao meio ambiente. Duas das maiores empresas fabricantes de aviões civis norte-americanas, desde a década de 1980, não empregam mais o urânio empobrecido em seus aviões. Mas um grande número de aeronaves fabricadas até então ainda continua em operação.
Acidentes com aeronaves que transportavam urânio empobrecido como lastro já ocorreram em, pelo menos, três ocasiões. A primeira foi na ilha de Tenerife (Espanha), em 1977, em um dos maiores desastres aéreos da história da aviação, com 563 mortos, quando dois Boeing 747 colidiram na pista de decolagem. O incêndio subseqüente à colisão consumiu cerca de três toneladas de urânio empobrecido. Aparentemente, não há relatos sobre o impacto da liberação de uma quantidade tão grande desse metal na população da ilha ou nos ecossistemas locais.
Em outubro de 1992, poucos minutos após a decolagem, no aeroporto de Amsterdã (Holanda), um Boeing 747 perdeu dois de seus motores e atingiu dois prédios residenciais, causando um grande incêndio e a morte imediata de 43 pessoas. As autoridades locais declararam que o cargueiro empregava como lastro cerca de 280 kg de urânio empobrecido, sendo que, dessa quantidade, cerca de 150 kg nunca foram encontrados, levantando a hipótese de que tenha sido queimada no incêndio e liberada na atmosfera na forma de partículas.
Nos anos seguintes ao acidente, foram registrados vários casos de pessoas com problemas físicos e mentais na área vizinha ao acidente. Inicialmente, esses quadros foram atribuídos aos produtos de queima de substâncias perigosas à saúde humana transportadas pelo avião, especialmente o urânio empobrecido. Mas um estudo de 2000 demonstrou que o risco daquela população exposta aos aerossóis e aos produtos de queima do avião foi muito baixo e que os casos descritos não tinham relação com o acidente.
Em um terceiro acidente, próximo ao aeroporto de Stanstead (Inglaterra), outro Boeing 747 carregando urânio empobrecido caiu minutos antes do pouso, espalhando seus destroços por uma grande área.
Problemas nos rins
Segundo a Organização Mundial da Saúde, o principal risco que o urânio empobrecido oferece à saúde humana não é decorrente de sua radioatividade, mas sim de sua toxicidade química, sendo o rim o principal órgão afetado. O urânio empobrecido é 40% menos radioativo que o urânio natural, e a sua radioatividade nem mesmo penetra a pele. Assim, o risco da exposição externa à radiação do urânio empobrecido é mínimo. Mas efeitos adversos podem ocorrer devido à inalação ou à ingestão de partículas ou aerossóis produzidos pela ignição desse metal. Uma vez dentro do corpo humano, a radioatividade pode alterar o material genético das células, levando-as a se tornarem cancerosas.
Devido à sua ampla distribuição no ambiente, o urânio – além das reservas minerais – pode ser encontrado também em plantas e animais. O corpo humano contém cerca de 75 mg de urânio, obtido principalmente pela ingestão de alimentos, como cereais e sal de cozinha.
Após a entrada na corrente sangüínea, parte do urânio empobrecido é depositada nas superfícies dos ossos, juntamente com o cálcio, onde pode ser retida por vários anos. Aproximadamente 56% do urânio encontram-se depositados nos ossos; 19% nos músculos, 16% no fígado, 8% nos rins e 16% estão distribuídos em outros tecidos. Na realidade, apenas uma pequena quantidade do urânio empobrecido é retida nos ossos, pois cerca de 90% são excretados na urina 24 horas após a ingestão.
A absorção de grandes quantidades de urânio empobrecido (de 70 mg/kg a 100 mg/kg de massa corporal) resulta em um acúmulo extremamente tóxico de urânio nos rins, o que leva a um dano nos túbulos proximais renais (principais estruturas envolvidas na filtração do sangue).
Modelos de Laboratório
Estudos feitos nos Estados Unidos mostram que, nos locais onde armamentos contendo urânio empobrecido foram empregados de modo mais sistemático, o contato de seres humanos com esse metal ocorreu, basicamente, de dois modos:
exposição aguda por inalação ou ingestão de aerossóis, vapores ou poeiras;
exposição crônica devido à presença de fragmentos de projéteis inseridos em tecidos do corpo humano.
As informações disponíveis sobre os efeitos biológicos do urânio empobrecido são escassas, e a disponibilidade destas é muito limitada, o que dificulta a determinação precisa dos potenciais riscos da exposição a esse metal. Efeitos carcinogênicos e mutagênicos (respectivamente, que causam câncer ou mutações no código genético de um organismo) induzidos por fragmentos de projéteis retidos no corpo ou em partículas inaladas já foram descritos em modelos de laboratório.
Relatos sobre o aumento da incidência de várias condições patológicas têm sido descritos. Um caso bem ilustrativo ocorreu na guerra do Kosovo, em 1999. Pelo fato de as tropas aliadas terem utilizado armas contendo urânio empobrecido naquela região, levantou-se a possibilidade de soldados de várias nacionalidades terem sido expostos a partículas desse metal, o que teria sido a causa de leucemia nesses combatentes. No entanto, estudos recentes do Programa Ambiental das Nações Unidas (Unep) afirmam que não há evidências que apóiem essa correlação nas tropas que serviram nos Bálcãs.
Dieta ou exposição
Com relação ao Iraque, os dados são bem mais escassos, mas se sabe que o número total de casos de câncer na cidade de Mosul, nos biênios 1989-1990 (antes da Primeira Guerra do Golfo) e 1997-1998 (depois da guerra), foi de 200 e 894, respectivamente. Houve um aumento do número de casos de câncer de pulmão de 5,2% em homens e de 1% em mulheres após o fim dos conflitos. Mas os dados para leucemia mostraram uma tendência contrária, ocorrendo uma redução de 0,4% desses casos depois do fim da guerra. Segundo os dados publicados, esses índices não podem ser creditados à exposição ao urânio empobrecido, pois poderia ser resultado da dieta extremamente pobre da população, após anos de embargo internacional àquele país. Porém, os levantamentos indicam que os casos de leucemia triplicaram nas províncias do sul do Iraque, locais onde ocorreram as principais batalhas durante a Primeira Guerra do Golfo, em 1991.
Os estudos mais abrangentes realizados até hoje sobre distribuição, metabolismo e efeitos biológicos do urânio empobrecido foram publicados em uma edição especial da revista Journal of Environmental Radioactivity, que dedicou um volume inteiro (janeiro de 2003) a trabalhos de pesquisa na área de urânio empobrecido. Um desses estudos relata o acompanhamento médico de 33 sobreviventes da Primeira Guerra do Golfo feridos com projéteis contendo urânio empobrecido vindos de armas aliadas. Não foi relatado qualquer tipo de anormalidade nesses indivíduos devido à toxicidade química do urânio (como falência renal) ou à radiotoxicidade (por exemplo, leucemia ou osteosarcomas), embora os níveis de urânio na urina desses pacientes estivessem acima do normal. Há, no entanto, certo consenso na literatura de que estudos dessa natureza estão longe de serem conclusivos, uma vez que não levam em consideração os efeitos em longo prazo da exposição ao urânio empobrecido.
Formação de tumores
Um estudo pioneiro, conduzido no Instituto de Pesquisas Radiobiológicas das Forças Armadas, em Bethesda (Estados Unidos), demonstrou a transformação das características (fenótipo) normais de células ósseas humanas em tumores, quando estas foram incubadas na presença de urânio empobrecido. Alterações morfológicas e moleculares empregadas para identificar células tumorais foram encontradas após a exposição ao urânio empobrecido. Além disso, células incubadas com urânio empobrecido e injetadas em camundongos foram capazes de promover a formação de tumores. Outros estudos reforçaram essas observações, demonstrando essas alterações em células ósseas humanas na presença de frações solúveis e insolúveis de urânio empobrecido. Esses resultados indicaram que a exposição por longo prazo ao urânio empobrecido pode ser crítica para o desenvolvimento de câncer em humanos.
Um estudo publicado em 2002 por um grupo chinês mostra que células do epitélio bronquial humano se transformam em cancerígenas na presença de frações sólidas de urânio empobrecido. As células incubadas na presença de óxido de urânio empobrecido (UO2) se multiplicavam com uma taxa muito aumentada em relação a células-controle. A partir da 15ª geração, as células transformadas pelo urânio empobrecido foram também capazes de induzir a formação de tumores em camundongos.
Resultados contraditórios
Altos níveis de urânio na urina de veteranos da Primeira Guerra do Golfo foram detectados mesmo 10 anos após a exposição aos fragmentos ou aos vapores de urânio empobrecido. Experimentos em ratos mostram que há uma forte correlação entre o acúmulo de urânio empobrecido nos testículos, ossos, rins e no cérebro e o aparecimento de mutações em células. Implantes de fragmentos de urânio empobrecido em ratos foram também capazes de induzir a formação de tumores malignos (sarcomas) nos músculos desses animais, ou seja, uma proliferação exacerbada de células adjacentes ao implante.
Por outro lado, estudos alegam a falta de provas que indiquem uma associação entre a exposição ao urânio empobrecido e
a taxa total de mortalidade;
efeitos adversos no sistema nervoso central;
lesões hepáticas;
alterações no sistema imune;
desordens hematológicas.
Porém, um acompanhamento de sete anos realizado entre veteranos da Primeira Guerra do Golfo expostos ao urânio empobrecido demonstrou alterações significativas nos níveis de urânio no sêmen. Segundo um grupo italiano, a exposição média das populações residentes em áreas bombardeadas com armas à base de urânio empobrecido pode causar lesões devido à toxicidade desse metal. O estudo ainda afirma que a dose-limite anual para essa população pode ser excedida poucos anos após a dispersão do urânio empobrecido, e a recomendação desse trabalho é a completa limpeza das áreas, para evitar exposições ocasionais à população.
Condenado ou absolvido
Enquanto a mídia e a pesquisa científica mantêm o foco nos possíveis efeitos do urânio empobrecido sobre os soldados da Otan, bem como nos veteranos de guerras dos últimos 15 anos, muito pouca atenção tem sido dada às populações civis altamente expostas a esse metal, como é o caso daquelas no Iraque, nos Bálcãs e no Afeganistão. Os soldados da Otan, bem como famílias deles, não estarão expostos ao urânio empobrecido ao longo da vida, diferentemente dos civis desses países, que foram ou são forçados a conviver com crateras produzidas por bombas ou mísseis e, portanto, estão expostos continuamente ao ar, à água ou ao solo contaminados ao redor deles.
Embora grande parte das informações indique que o urânio empobrecido não ofereça risco radiológico, devemos pensar sobre os riscos da exposição dos civis em longo prazo. A leucemia, induzida por radioterapia, por exemplo, desenvolve-se normalmente após um período de latência de dois a três anos, embora nesse caso se trate de uma exposição aguda e em altas doses. Evidências obtidas da população de Hiroshima mostraram que o período de latência média para o desenvolvimento dessa doença é de 10 a 15 anos – mas, novamente, se trata de uma exposição aguda em doses altíssimas.
O urânio empobrecido emite radiação em baixas doses e por tempos extremamente longos. Assim, não é possível ainda afirmar categoricamente que ele não ofereça qualquer risco biológico. Somente pesquisas de acompanhamento das populações expostas por longo prazo poderão absolver ou condenar o uso desse metal.
Finalmente, resta ainda a hipótese de o uso militar desse metal ser uma forma silenciosa de eliminação dos resíduos tóxicos em países que têm altos estoques de urânio empobrecido e que passaria despercebida pelas populações e pelos governos atingidos pelas guerras dos últimos 15 anos.