Como você acha que os equipamentos de combate são afetados por esse novo estilo de combater?
By Murilo Lopez Nov 8, 2019
E sua influência nos equipamentos operacionais do futuro.
Para entendermos o conceito de Guerra Assimética e Conflitos de 4ª Geração, precisamos voltar no tempo, mais precisamente no século XVII, nos eventos ocorridos durante e após a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648).
A guerra dos Trinta Anos foi uma série de conflitos que ocorreram na europa motivados por vários fatores, desde rivalidades religiosas até interesses territoriais e comerciais. Esses conflitos foram travados por tropas irregulares e de caráter temporário, geralmente subordinadas a senhores de sociedades agrárias e ordens religiosas, se assemelhando mais a “bandos” do que exércitos propriamente ditos. O fim da Guerra dos Trinta anos culminou no Tratado de Vestefália, assinado pelo Império Germânico, França e Suécia, esse tratado estabeleceu os princípios do que conhecemos hoje como Estado-Nação e tinha como ponto principal o monopólio do emprego de Forças Armadas pelo estado.
Com isso, vieram-se os conflitos de Primeira Geração; caracterizados pelo uso de tropas uniformizadas e dispostas em formação de linha, treinamento regular, equipamento padrão e hierarquia, além disso também se adotaram táticas e estratégias mais planejadas, como o uso coordenado de cargas de cavalaria e disparos de mosquetão sincronizados pela infantaria regular. Exércitos maciços foram utilizados nesse período, e alguns conflitos icônicos dessa geração são as Guerras Napoleônicas e as Guerras de Independência e Guerra Civil Americana.
No final do século XIX, com a Guerra Civil Americana chegando ao fim, o Exército da União, começou utilizar trincheiras, técnicas de camuflagem e metralhadoras, pontos característicos dos conflitos de Segunda Geração. Com isso veio a adaptação dos dois lados, União e Confederados, tanto das táticas e estratégias, quanto dos equipamentos. Para começar com a utilização de armas de cano estriado e carregamento pela culatra, e da artilharia, que reduziu de forma considerável o número de soldados no front, já que eram necessárias tropas de rápida mobilização e capacidade de camuflagem. Com todas essas alternativas, as estratégias dos generais em campo mudaram, não se viam mais cargas gigantescas em direção ao inimigo, já que isso seria suicídio no contexto da época, manobras de flanqueamento, ataques coordenados entre artilharia e infantaria se tornaram cada vez mais comuns, seguindo o velho ditado francês de que “a artilharia conquista, a infantaria ocupa”. O exemplo máximo desse tipo de conflito é a Primeira Grande Guerra, que além dos fatores citados acima, também foi caracterizada pelo uso de armas químicas, veículos blindados e comunicações de rádio.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial e as restrições impostas a Alemanha com o Tratado de Versalhes, as quais impediam a mesma de desenvolver e possuir grande quantidade de material bélico, veio a Segunda Guerra Mundial, caracterizada pela famosa Blietzkrieg (Guerra Relâmpago).
Com um exército totalmente defasado em equipamentos por causa das sanções decorrentes do Tratado de Versalhes, o Estado-Maior Alemão percebeu que tropas entrincheiradas sem poder de fogo para se defender seriam facilmente aniquiladas pelo inimigo, começou então um trabalho de compensação da falta desse poder de fogo necessário para a defesa de tropas estáticas, e com isso foram desenvolvidas estratégias com foco na mobilidade e rapidez. Em 1939, com essas estratégias já aperfeiçoadas e treinadas, a Alemanha invade a Polônia.
No final da Primeira Guerra Mundial, em sua última ofensiva, a Alemanha já se utilizava da coordenação de movimento entre as tropas, algo que poderia ser considerado como um “protótipo” dessas estratégias focadas em mobilidade, utilizadas posteriormente na Segunda Guerra Mundial, mas talvez, por falta de reforços, suprimentos e principalmente munição (utilizada em demasia na Blietzkrieg), ou até mesmo por causa do contexto de decadência dos últimos anos de guerra, não obteve êxito.
Os conflitos de Terceira Geração tem como principal ponto a manobrabilidade das tropas, evidenciada de forma sublime na Blietzkrieg, além disso, avanços decisivos na área de combate aéreo, tropas de reconhecimento, carros de combate, infantaria mecanizada e principalmente o surgimento das forças especiais são fatores marcantes desse tipo de conflito. Ainda há muita herança dessa Terceira Geração nos exércitos atuais, inclusive alguns países com Forças Armadas menos desenvolvidas ainda estão presos nesse contexto.
Por fim, chegamos a Quarta Geração de Conflito, a Guerra Assimétrica.
Definição Geral de Guerra Assimétrica
A Guerra Assimétrica pode ser classificada como o uso militar de meios não-militares, ou ainda, a guerra em um contexto civilizacional semelhante da era pré-Primeira Geração, onde ocorre uma “insurreição” de diversas forças militares. Um ponto importantíssimo é o surgimento de demasiadas forças não-governamentais no cenário militar global, como grupos insurgentes, células terroristas, guerrilheiros; ou até mesmo, PMCs (Private Military Companies), Grupos Paramilitares, separatistas, revolucionários e contra-revolucionários, denotando um fim do monopólio da força militar pelo estado.
“Inspirada na Arte da Guerra de Sun-Tzu, a Guerra Assimétrica consiste em dar tacitamente a um dos lados beligerantes o direito absoluto de usar de todos os meios de ação, por mais vis e criminosos, explorando ao mesmo tempo como ardil estratégico os compromissos morais e legais que amarram as mãos do adversário” (“Diferenças gritantes”, Olavo de Carvalho, O Globo, 15 de maio de 2004)
Um exemplo notável desse ponto é a atuação do Grupo Paramilitar/PMC Wagner Group, originário da Rússia. Wagner Group operou recentemente na Guerra Civil da Síria (2011-presente) em apoio indireto a forças especiais russas na região. Mesmo com a legislação russa proibindo a existência de Grupos Paramilitares, por propósitos parecidos, ou seja, os mesmos fins, acaba havendo uma aliança entre esses dois lados. O mesmo percebe-se com os separatistas ucranianos.
Os Novorussos.
Diante de uma crise social que se iniciou em 2013, com vários protestos causados por decisões do governo, que coagido pela UE decidiu romper laços com a Rússia e União Econômica Eurasiana. Os protestos evoluíram para uma crise social e política no país, deixando-o dividido em duas partes, Ucrânia e Novorossiya.
A Ucrânia, agora voltada para o ocidente, recebia apoio econômico e militar da União Europeia, e dos Estados Unidos, que inclusive chegou a mandar tropas para treinar soldados ucranianos e estabelecer presença militar na região, enquanto a Novorossiya recebia apoio direto da Rússia, que sabendo da inclinação cultural daquela região, aumentou sua influência, os apoiando com um grande número de de tropas, armamento, treinamento e suprimentos. Apesar das tropas apoiadas estarem batalhando no front com recursos fornecidos pela UE/EUA e Rússia, esses mesmos lados não se enfrentavam diretamente no terreno, por outro lado, ocorriam debates na comunidade internacional e troca de sanções econômicas entre os mesmos, que tinham interesse na região desde o fim da Guerra Fria, na década de 90. Essas guerras indiretas causadas por interesses de dois lados, e que são combatidas por meio de outras forças se enfrentando em campo são conhecidas como Proxy Wars, e são outro importante ponto da Guerra Assimétrica.
Sendo assim, os países viram necessário se utilizar além da força militar, de todos os fronts disponíveis no contexto de guerra – político, econômico e social – isso inclui influenciar a população do país inimigo por vários meios a não combater, ou até mesmo, a se inclinar para seu lado. Como citado por um ex-agente da KGB, Yuri Bezmenov, a Subversão é um processo onde se desmoraliza o país inimigo por meio da propaganda, desinformação, e doutrinação, desestabilizando as estruturas de poder dentro do mesmo, causando o populismo e a luta irresponsável pelo poder, e então, se aproveitando da crise gerada por essa situação, o país subversor normatiza seus parâmetros dentro do país inimigo, vencendo-o sem efetuar nenhum disparo. É um processo de guerra mais psicológica do que física, de baixa intensidade e longa duração.
Apesar da evolução do uso de ideologias para os fins de guerra psicológica, a guerra física ainda existe, e também evolui por influência de vários fatores, um deles é o tecnológico.
Devido a digitalização generalizada dos meios de comunicação, a qual é feita por satélites, os países procuraram rapidamente a adaptar suas prioridades de defesa para além de ter capacidade de ação em, terra, mar, e ar, também terem domínio sobre o espaço.
Por exemplo, quando um míssil de defesa antiaérea é lançado para interceptar um míssil terra-terra, como um SCUD, ocorre todo um processo de comunicação e troca de dados, logo os satélites são indispensáveis para que isso ocorra. Sendo assim, é lógico entender que o controle do espaço virtual se dá pelo meio do controle do espaço sideral. Um indicativo desse fator é notado na mais recente modernização das Forças Armadas da China, onde se criou uma nova divisão chamada de “Força de Suporte Estratégico”, que embora muito seja desconhecido sobre a mesma, sabe-se que trata de assuntos referentes a guerra cibernética e aeroespacial.
Todos os fatores citados, mais a crescente evolução tecnológica, redefine muitos parâmetros no contexto tático e operacional, e consequentemente, no tipo de soldado que estará em campo.
Sistemas de Combate – A evolução do equipamento de infantaria
Com a crescente evolução tecnológica e o novo modo de se fazer guerra que vem sido adotado, o uso de tropas regulares como soldados rasos (muitas vezes conscritos) dotados de equipamento básico, que eram a base da infantaria a 40 anos atrás, vem se tornando cada vez mais obsoleto e raro. As alternativas que a tecnologia tem proporcionado causaram uma “condensação” no corpo de tropa operacional nos últimos anos, um grande exemplo disso vem da China, que com o maior número de soldados ativos no mundo, cortou em 50% o efetivo terrestre nos últimos dois anos, redirecionando recursos para áreas estratégicas.
Não é preciso dizer também, que recentemente, Forças Especiais e outros tipos de unidades do gênero vem entrando nos holofotes do meio militar, isso é mais um indicativo de que a guerra vem se adaptando a realidade do campo de batalha, onde antes havia um pelotão de soldados para comprir uma missão, hoje temos apenas uma unidade com poucos homens, porém mais bem treinados, equipados e com acesso a mais apoios e recursos. Isso altera de forma drástica a própria noção clássica de militarismo, ao invés dos esteriotipados ensinamentos de marcha e ordem unida, que nos remontam aos tempos de Frederico II, há um crescimento no uso de unidades mais flexíveis, e que tendo um menor número de soldados, é mais coesa; como citado por Samuel L. A. Marshall, um dos principais historiadores de combate dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial – “a disciplina é baseada na coesão e na solidariedade do grupo” – conhecido por alguns como “espírito de corpo”.
A “condensação” e digitalização das tropas traz um impacto gigantesco no padrão de equipamentos e de armamentos das unidades operacionais nos Conflitos de Quarta Geração. A particularidade desse processo de modernização das unidades de infantaria reside em uma alteração de qualidade e de demanda da realização das funções de comando, controle e inteligência. Para suprir essa demanda “Sistemas de Combate” vem sido criados, como o sistema “Ratnik” (da Rússia) e o sistema “FÉLIN” (da França).
O Sistema Ratnik por exemplo, tem como o objetivo aumentar a conectividade e a eficácia do soldado-padrão russo no campo de batalha, para isso, dispõe de acessórios indispensáveis como capacete, colete, joelheiras, cotoveleiras, itens básicos de campanha como filtro de água, uma ferramenta “multi-tool”, kit de atendimento pré hospitalar tático, lanterna de sinalização, fonte de calor, e além disso também dispõe de meios de reconhecimento e comunicações, como visão noturna/visão térmica em um monóculo no capacete, headset, um sistema de comunicação de voz e vídeo, assim como um terminal de navegação via satélite; onde por exemplo, um comandante pode ver em tempo real a posição de cada um de seus soldados em uma tela no seu antebraço. Com esse terminal, ele também pode enviar fotos e vídeos para o quartel general, assim como informar ordens e manobras para sua patrulha. Esse sistema foi utilizado pelas Forças Armadas da Federação Russa na recente Guerra Civil da Síria para enviar dados de alvos em terra para aeronaves de bombardeio, os ataques aéreos realizados por esse sistema em conjunto com as aeronaves Su-24M provaram ter quase 100% de precisão.
Se nota também uma grande mudança cada vez maior no armamento empregado em unidades ao redor do mundo, em especial ao calibre. Por exemplo, ao fim da primeira guerra mundial chegou-se a conclusão que os soldados da infantaria Inglesa estavam sobrearmados, isto é, que disparavam calibres muito superiores aos requeridos para cessar a ameaça. O Exército Ingês fez então uso do SMLE (Short Magazine Lee Enfield) .30, aumentando a capacidade de cadência de tiro e logística de suas tropas. Na Segunda Guerra Mundial, já se percebia uma diminuição considerável no tamanho de munições empregadas, ficando em torno de 7,62mm e 7,65mm, esse padrão de mudança se mateve até recentemente, se adotando calibres como o 5,56mm, 5,54mm, 5.8mm e etc. Porém devido a evolução das proteções balísticas, a redução no tamanho das tropas que obriga os soldados a terem maior capacidade de fogo, e também a questão tecnológica que possibilita engajamento de inimigos a uma maior distância, vemos um grande crescimento de unidades com maior poder de fogo, nos remetendo aos tempos de Primeira Guerra Mundial, onde a idéia de “artilharia portátil” dá aos operadores capacidade anti-carro e anti-aérea. Já existem unidades de Forças Especiais no Iraque dotadas exclusivamente de fuzis .50, essas mesmas unidades em Fallujah demonstraram uma capacidade de causar mais terror nos inimigos que as próprias armas químicas ali utilizadas. Mesmo um único homem com armamento desta natureza sente-se em condições de resistir e continuar lutando, o que gera uma mudança total nas chances de sucesso das operações.
Grande parte dos fatores citados nesse artigo nos fazem refletir sobre o futuro, conflitos de natureza distinta estão surgindo em todo o mundo e a própria maneira de se fazer guerra está sendo fortemente influenciada pela evolução tecnológica, mudando o equilíbrio da balança do poder militar global. Ainda há analistas que dizem que em breve poderemos ver exoesqueletos de combate e blindados autônomos operando nas frentes de batalha, outros, mais céticos, dizem que a guerra irá se tornar cada vez mais “fria” e de baixa intensidade, seguindo o padrão de Guerra Psicológica, e que soldados irão se tornar obsoletos. O fato é que no presente, temos um grande leque de alternativas e ferramentas de combate inéditas, algumas até mesmo desconhecidas, o que implica na dificuldade de cálculos e suposições de qualquer agressor, e contribui para a incerteza. A mera existência desses fatores cria uma complicação adicional na própria dissuasão estratégica, tornando o cenário operacional futuro cada vez mais incerto.
E você o que pensa sobre esse tema?
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